Realidades
e perspectivas: a Educação da sociedade ou a sociedade da Educação?
Por
Alessandra Leles Rocha
Nem sempre a
manifestação negativa sobre determinado assunto é uma atribuição gratuita.
Quando se bate na mesma tecla diversas vezes é sinal que algo está realmente em
desalinho, distante da conformidade esperada, destoando dos ideais e
expectativas.
Esse é o caso da
Educação no Brasil! Não é que existam somente problemas a se considerar; mas, o
volume desses é tão assustador que acaba por camuflar ou esconder os casos de
sucesso existentes. De modo bastante pontual e disseminado a ação inovadora e
transformadora se aflora, vez por outra, nos caminhos do ensinar e aprender.
A questão é que
Educação é coisa séria, é ponto de partida para qualquer sociedade munida de
sonhos e projetos de desenvolvimento. Nenhum indivíduo chega ao status de
cidadão por honra tão somente dos seus direitos humanos. Para ser cidadão a
escola da vida e a escola instituição precisam caminhar de mãos dadas, apoiando
e satisfazendo as demandas socioculturais daquele ser. Em um processo de
compartilhamento e comunhão de saberes se alcança a maturidade cidadã de um
país, o que o eleva a condição de nação.
Tanto é verdade que
pouco mais de um quarto de século já se passou, desde a promulgação da Carta
Magna de 1988, na qual o Estado Brasileiro manifestou claramente em seu art.
205 que “A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, e em seu art.
206 que “O ensino será ministrado com
base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de
concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V –
valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de
carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos assegurando regime
jurídico único para todas as instituições mantidas pela União; VI – gestão
democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia do padrão de
qualidade”; contudo, ainda não se conseguiu enxergar o óbvio dessas
palavras!
Desde a sua
colonização, o Brasil não faz senão ‘arrastar pesadas correntes’ no que diz
respeito à sua própria identidade. Só de Independência são cento e noventa e
três anos, de República cento e vinte e sete; mas, no pensamento o país ainda
permanece ligado aos laços coloniais. Sim! Nossos modelos sociais permanecem
baseados na importação do ideário europeu; portanto, nossa Educação não caminha
a serviço das demandas de nossa sociedade e seus respectivos interesses.
O desinteresse escolar
por parte dos alunos, por exemplo, se prende a diversas variáveis, sendo que
algumas delas evidenciam bem essa dissociação sócio temporal. Os modelos
curriculares, infelizmente, ainda acompanham os princípios europeus do século
XIX e impõe aos alunos uma vasta obrigação de conteúdos, sem dar-lhes a
oportunidade de vivenciar o aprendizado e esmiuçar as próprias dúvidas e
interesses. A discrepância com a realidade do aluno é tamanha, que alguns
assuntos vistos aqui no ensino médio, em países desenvolvidos encontram-se na
grade de graduação e até pós-graduação. Não é à toa que se ouve dos alunos a
recorrente pergunta: “por que eu tenho que aprender isso?”.
No intuito de ‘enxugar’
o volume de informações, ao contrário de repensar os currículos, muitas escolas
optaram pelo ‘apostilamento’ em substituição aos livros didáticos. Resumos.
Aprender na ótica de resumos, sob a luz do que outros consideram relevantes.
Formatar o aprendizado ao que está contido naqueles resumos. De repente, nada
mais parece fazer sentido ao aluno e ele encontra mais um bom motivo para
perder o interesse naturalmente.
Da formatação das
informações à formatação da Educação, em geral. Tudo está formatado! Duzentos
dias letivos e o programa de determinada série tem que caber em um número ‘x’
de aulas, com duração de ‘y’ minutos, com ‘z’ avaliações, enfim... Não há
espaços para verdadeiramente ensinar e aprender. Como alunos e professores vão
interagir, questionar, aprofundar nesse processo? Tecnologia?! Têm sua
contribuição; mas, o que adianta uma ferramenta se não se sabe extrair dela o
melhor?!
Assim como, para
construir uma casa se depende de vários elementos (ou ferramentas), para a
Educação é a mesma coisa! Não bastam só bons professores, bons alunos, bons
livros, boa tecnologia, bons... bons...
Uma semente é tão somente isso se não houver quem a deposite no solo e
promova as condições ideais para que ela se desenvolva. Ao mesmo tempo em que o
modelo educacional aplicado no Brasil ‘formatou’ a Educação, ele construiu uma
formatação compartimentalizada, na qual os elementos não se relacionam
satisfatoriamente; há um ‘engessamento’ na estrutura, impedindo que a Educação
rompa as barreiras do tempo e se modernize frente aos anseios individuais e
coletivos da sociedade.
Isso fica cada vez mais
evidente, quando surge um novo episodio de carência profissional no país. Não
só do ponto de vista da habilidade de conhecimento especifico exigida; mas, da
fragilidade das competências cognitivas e culturais básicas necessárias para
quaisquer pretensos candidatos, ou seja, domínio da leitura e interpretação de
textos, das operações matemáticas cotidianas, das atualidades
histórico-geográficas, do uso da tecnologia e de alguma língua estrangeira.
Nossos alunos encontram dificuldade de compreender, de argumentar, de se
manifestar intelectualmente!
E como resolver a
‘toque de caixa’ essa situação não é possível, o país se rende à ‘importação’
de mão de obra estrangeira para suprir as necessidades. Paralelamente a esse
processo, envia parte de seus cidadãos com melhores resultados e conhecimentos
para aprimoramento educacional no exterior, na expectativa de que retornem
supridos de mais conhecimento para oferecer ao país. Quanto à educação básica,
esta não assinala sofrer o impacto de grandes avanços ou investimentos para que
no futuro possa colaborar com pessoas aptas a assimilar as ‘novidades’ trazidas
por seus patrícios, de além-mar. É como se o ciclo educacional brasileiro nunca
conseguisse fechar positivamente as suas metas! A presença de uma invisível e
conflitante linha divisória insiste em ‘assombrar’ a Educação.
De um
jeito ou de outro, a sociedade brasileira tem feito com que a Educação seja
mais e mais desconsiderada como fundamento principal de cidadania, ao fomentar uma
legião de pessoas incapazes de compreender os riscos que a ignorância, a falta
da Educação trazem. Entre os que podem estudar e não querem e aqueles que
querem, mas não podem (por razões diversas), a carência de estudo e de
conhecimento os coloca diante de terem que aceitar o que lhes for apresentado,
submissos aos ditames de terceiros, escravos da sociedade por não terem
argumentos para pensar por si só. É o que disse Henry Peter Broughman,
que foi chanceler
da Grã-Bretanha no século XIX, ao descrever de forma perfeita como a Educação
pode favorecer tanto a vida pessoal e a organizacional do indivíduo: “A
Educação faz um povo fácil de ser liderado, mas difícil de ser dirigido; fácil
de ser governado, mas impossível de ser escravizado”.
Portanto,
as infinitas formas de escravização social acontecem independente da cor, da
religião, do status, do gênero; é apenas uma questão de pura desumanidade, de
‘invisibilizar’ o ser humano de carne e osso, de não gostar de gente. Basta que
os ventos soprem ao contrário dos interesses de alguns, que os desvarios rufem
seus tambores, que a maldade chicoteie o ar, para que pessoas percam seu
direito de existir, de pensar, de sonhar; enfim, de estudar.
Daí a importância da
colocação de Viviane Mosé 1, no Café
Filosófico - Os Desafios da Educação
Brasileira: Em direção a uma Educação viva e contemporânea: não há como
dissociar a questão educacional da cidadania, sobretudo, em relação ao olhar
sobre a cidade como um todo, a sua vocação produtiva e que consequências esse
tipo de economia traz para a população. Afinal de contas, isso envolve o tipo
de cidadãos que se pretende formar. É fundamental saber “onde estamos” e “para
onde vamos” para tornar possível transformar as expectativas em ações
concretas.
Mas, além disso, é
preciso que haja concordância entre os diversos segmentos do poder social, no
sentido da manifestação de seus interesses em um proposito comum. Daí a importância de se criar conexões,
estruturas de articulação, com habilidade de flexibilizar a diversidade de pensamentos
e, também, de interesses, para que a força advinda desse movimento construa
lideranças positivas e capazes de alavancar o desenvolvimento da sociedade,
especialmente, em termos de Educação. Ao contrário, de um processo de anulação
dos vetores, em cada um emite força em uma direção e no final não se chega a
lugar nenhum.
Tarefa difícil?
Certamente. Romper tantos paradigmas tão incrustrados na sociedade não é tarefa
para poucos e nem para curto prazo. Porém, mesmo que à revelia das motivações
individuais, as conjunturas sociais às vezes promovem metamorfoses bem mais
eficientes; pois, quando se chega ao fundo do poço do insustentável não há
outra via se não mudar radicalmente. É nesses momentos que os interesses
individuais se esvaem em nome do coletivo, do que seja verdadeiramente capaz de
garantir à sobrevivência do todo; então, a mesa de negociações se torna um
lugar menos hostil e fechado, com espaço ao diálogo, à manifestação das ideias.
Entre realidades e perspectivas sobre a Educação da sociedade ou a sociedade da
Educação, talvez, a solução seja mesmo o bom senso na garantia do equilíbrio
dessas duas vertentes.
1 Poetisa, filósofa, psicóloga, psicanalista e especialista em elaboração e
implementação de políticas públicas.