Colocando
Momo e sua corte para pensar...
Por
Alessandra Leles Rocha
Apesar de o carnaval estar chegando
ao fim não posso deixar de trazer essa reflexão que, na verdade, encontra-se
acima dos festejos e da folia.
Pois bem, pouco antes do rufar inicial
dos tambores e tamborins, pessoas vieram a público manifestarem-se contra
algumas marchinhas carnavalescas sob o argumento de que sua execução colabora
com a disseminação e a reprodução de discursos preconceituosos e ofensivos. Então,
de repente, o pavilhão do chamado “Politicamente Correto” foi hasteado e
dividiu opiniões país afora.
Não é de hoje que tenho observado uma
corrente de pensamento, a qual enxerga nos discursos históricos da sociedade
brasileira elementos prejudiciais ao seu desenvolvimento pleno e igualitário.
Mas, será que todo o mal a nos rodear é mesmo fruto de uma reafirmação de
tempos que já se foram?
Particularmente, eu vejo a história
como uma ferramenta fundamental de análise crítico-reflexiva para a sociedade,
como um mecanismo de freio e contrapeso para se evitar os velhos e nocivos hábitos
de persistir na ignorância e no erro incorrigível. Mesmo nessa ótica sejamos
honestos que a humanidade tem feito vista grossa e repetido como nunca o que
sabidamente não deveria fazer nunca mais; mas,...
Por mais que nos deparemos, em
milhares de páginas amareladas, com fatos e discursos que nos causam desconforto
sem precedentes, não seria uma arbitrariedade de nossa parte querer reescrever
o passado conforme os nossos próprios pontos de vista? Deixaríamos de nos guiar
pelos registros documentais de todas as épocas para nos iluminarmos pela cabeça
de quem? Caro (a) leitor (a), o que é a história senão a própria vida? Qual de
nós é capaz de diariamente passar o dia anterior a limpo, hein? Pois é.
Então, de repente, colocar sobre a
balança as Marchinhas de Carnaval e o que é Politicamente Correto parece, um
tanto quanto, esquisito ou, no mínimo, contraditório. Até aonde me consta, o carnaval
é visto pela maioria das pessoas, especialmente no Brasil, como uma celebração de
vários dias, na qual se é permitido extravasar a liberdade, a alegria, o
desejo, o descompromisso; enfim, a rigidez com os valores, os princípios, as
condutas torna-se eventualmente flexível, como se a vida passasse a ser
justificada e amparada pelo momento do carnaval.
Não é à toa que nessa época do ano
se observam o aumento dos relatos de distúrbios sociais; tais como, o número elevado
de acidentes automobilísticos, da violência, do consumo e comercialização de
drogas e entorpecentes; enfim, nada que nos faça crer que as pessoas estejam de
fato se comportando de maneira politicamente correta, concordam? Aliás, a
questão do politicamente correto não é mero discurso, não é da boca para fora,
está relacionado com algo muito maior chamado cidadania.
Enquanto se enxerga um enorme prejuízo
ideológico nas tais marchinhas, que tocam apenas em época de carnaval e são
cantadas por pessoas untadas a muito suor e cerveja, o que dizer do prejuízo ideológico
da abstenção voluntária de nossas responsabilidades causada pela festança?
A verdade é que ninguém está nem aí
para ser politicamente correto, principalmente no carnaval. O próprio Estado
sabe disso e nos enche de propagandas e campanhas de conscientização nessa época,
para ver se de alguma forma, pelos menos alguns de nós, nos sensibilizamos e
nos tornamos politicamente corretos em relação à prevenção da AIDS, à direção
defensiva, ao abuso de bebidas alcoólicas etc.
Quando a pessoa sabe exatamente o
seu papel na sociedade, quando conhece verdadeiramente os seus direitos e
deveres, ela age de maneira consciente e voluntária no ambiente coletivo. Isso significa
saber exatamente que ações têm repercussões, desdobramentos maiores ou menores,
graves ou não graves, e por isso, é preciso determinar que tipo de influência
e/ou de impacto se pretende exercer no meio em que vive. Isso é ser
politicamente correto.
Trata-se de uma busca constante e
reflexiva em tentar fazer o melhor, em prejudicar minimamente a si e ao
coletivo, em ser coerente com a vida e com as pessoas; é saber exatamente de
que lado você quer estar e, nem por isso, desrespeitar as opiniões e as convicções
das outras pessoas. Ao contrário do que se apregoa por aí, não é uma questão de
certo ou errado, de vencer ou perder por se estar desse ou daquele lado; muito
menos, de relembrar referências ligadas ao passado.
Assim, enquanto nos inebriamos na
euforia, na fantasia, no “Politicamente Correto” que se discute em filosofias
de botequim, permitimos que as máscaras nos afastem e nos ocultem a verdade,
que sempre aparece na Quarta-Feira de Cinzas. Penso que precisamos nos ater
mais aos fatos, aquilo que é realmente relevante. Enquanto enxergamos o passado
com lentes seletivas e bastante nocivas; muros de ódio, de intolerância, de
preconceito se erguem rapidamente entre nós. Não sejamos ingênuos, o bastante,
para crer que o perigo que nos espreita se esconde ou se dissimula em palavras
perdidas no tempo; pois, a verdade é que ele usa mais e mais dos discursos francos
e agressivos, longe do “Politicamente Correto”, para demarcar claramente o seu poder
de apartação e destruição.